A apresentação

2. A Apresentação
Uma sala de teatro. O palco nu. Sem tapadeiras, rotundas ou cicloramas. O chão de madeira marcado por outros tantos
espetáculos. 118 diários espalhados pelo espaço. Expostos. Vermelhos e pretos. Não há arquibancada. O público entra na sala. 59
cadeiras estão espalhadas pelo palco. 50 espectadores e 9 atores. Os atores amalgamaram em seus discursos, ao longo de 3
meses de ensaio, as vontades e lembranças de outras pessoas. Os 50 que escreveram os diários cederam para os atores o
material humano que agora preenche as falas que ouvimos no palco. Os atores incorporaram lembranças de outros às suas.
Misturaram-nas, fundiram-nas. A essa altura, não é mais possível dizer o que pertence a quem. A vontade de se apaixonar de
umas das atrizes numa terça-feira 4 meses antes se confunde agora com a desilusão de alguma mulher que não está ali presente,
mas que tem seus diários misturados aos outros tantos. Já não é mais possível dizer o que pertence ao ator e o que pertence aos
personagens. O que é teatro e o que é real. Faz ainda sentido neste momento falar em real ou em realidade? Faz sentido falar em
verdade?
A construção de “personagens” em Meu avesso é mais visível que um poste funciona através de enxertos de memórias e de
desejos alheios ao discurso e ao corpo dos atores. Aqueles fragmentos recolhidos passam a participar do manancial muito particular
dos atores em cena. Tudo isso se mistura em cena. Enquanto isso, os diários originais estão ali ao alcance da mão de quem quiser
tocar. Daqueles que não suportarem a mistura de vozes. A pergunta que resta é a seguinte: depois dessa experiência, a leitura do
diário original será capaz de dizer o que é o que? Será capaz de acalmar os ânimos dos espectadores mais apegados a noções
rígidas de verdade? Será ainda possível dizer quem é quem?